DORSAL ATLÂNTICA: novo capítulo se abre e velhas páginas se fecham…!


Por Écio Souza Diniz 
Paradigmático, paradoxal, polêmico, esquerdista ou apenas racionalista? Todos estes adjetivos certamente já foram usados por muitos para se referir a Carlos “Vândalo” Lopes, o líder da DORSAL ATLÂNTICA. O fato é que Carlos tem carregado a bandeira deste que é um dos maiores nomes do Metal nacional há mais de 30 anos e a história da banda desde os seus importantes álbuns lançados, a luta no underground e até mesmo incríveis estórias por traz dos bastidores estão cravados na mente de todos que a acompanharam até hoje e nos registros para a posteridade. Após a bem sucedida campanha financiada pelos fãs para o álbum 2012 havia uma certeza que esse seria o grito derradeiro da banda. Mas eis que uma surpresa surgiu quando a sua antiga gravadora, a Heavy, começou a fazer propaganda do novo álbum, Imperium, um de seus álbuns mais emblemáticos, com Carlos acompanhado por seu irmão Claudio (baixo) e Hardcore (bateria). Nesta esclarecedora entrevista Carlos fala dele e de muitas questões, algumas polêmicas, envolvendo a DORSAL que para muitos ainda são obscuras. 
Primeiramente, o que o levou à decisão de gravar mais um álbum após 2012, visto que você havia dito que não iria haver outro após este? Como tem sido a procura de Imperium pelos fãs e a distribuição pelo selo Heavy? Aliás, por que escolheu voltar a trabalhar com a Heavy?
Carlos Lopes: O Imperium tem sido muito procurado, o interesse é enorme e nos primeiros seis meses ele foi vendido exclusivamente através do site da gravadora. De agora em diante, o CD será distribuído em lojas de todo o país e em diferentes sites. Sobre o disco, eu realmente não queria mais gravar, mas ocorreram dois fatos: o primeiro, uma viagem a Petrópolis durante a qual tive vários insights sobre continuar o trabalho, começado no projeto “História Cantada”, a respeito da Monarquia. E em segundo lugar, o dono da Heavy, um amigo das antigas, e uma pessoa do bem, decidiu retomar o selo em 2014, e queria recomeçar com a Dorsal. A confiança mútua nos deixou bastante confortáveis a respeito da conversa. Para entrarmos em acordo, pedi que eu fosse o proprietário da matriz, um acordo raro, um feito inédito. E isso tudo só foi possível por causa da campanha do CD 2012. A arte da capa de Imperium foi desenvolvida a partir da porta do Palácio da Quinta da Boa Vista, no Rio, onde os Imperadores moravam e a arte interna é fruto da visita ao Mausoléu onde repousa D. Pedro II na Catedral de São Pedro de Alcântara em Petrópolis.     

Uma coisa que sempre foi retrato da Dorsal é o cunho conscientizador de suas letras. Em 2012, isso ficou ainda mais explicito em temas que muito abordaram a ditadura militar no Brasil. Já emImperium a parte lírica ficou ainda mais politizada, fazendo uma viagem aos tempos monárquicos brasileiros.  Essa sua postura cada vez mais evidente se deve especialmente aos momentos incólumes que o nosso país tem atravessado nos últimos anos?
Carlos: Não escrevo sobre o que o país atravessa “nos últimos anos”, escrevo sobre o que sempre houve. Corrupção é parte da vida nacional, do pobre ao rico. Eu sempre vi corrupção e muitas vezes me chamaram de babaca, como quando não aceitei comprar instrumentos roubados por gente da contracultura underground, ou quando me cobraram uma pequena fortuna por causa de uma dívida de CDs que não fiz e uma ex-gravadora me avisou que não era para pagar porque era coisa da contabilidade para burlar o fisco (e é claro, para me burlar). Tenho muita história… Uma ex-namorada me dizendo que eu era um otário por não aceitar “um por fora” e preferir ficar duro, ou quando fui doar fraldas geriátricas no Instituto do Câncer e um funcionário pediu para eu dar o material para ele e não para a instituição e eu falei: “Você deve ficar muito bem de fralda. Tá com infecção urinária?”.
O brasileiro finge não ver, pois quase todo mundo se corrompe de alguma forma. Escrevi sobre o império para tecer associações de como se vive uma maldita ilusão neste país. “Derrubem este governo e tudo estará bem!” não é o mesmo que “Derrubem a Monarquia e tudo estará bem?”. Eu me assumi como um ser político. Não é uma questão de carregar uma bandeira, longe disso. É a minha realidade. Em casa, assisto a documentários e a TV Brasil. Meu dia-a-dia é quase todo politizado. Não bebo e não saio à noite. Gosto de meditar em igrejas e de ler. Sou uma pessoa política, mas tenho “horror a filmes de terror”, de sexo e de ação. Sou avesso a enlatados colonizados. Parei com isso. Na verdade, não sei se isso é maturidade ou outra expressão do meu radicalismo. E cada vez mais, vejo o mundo como ele é e não como aparenta ser. O ambiente musical, seja ele sertanejo ou metaleiro, é muito parecido em vários aspectos. Qual é a diferença, por exemplo, entre alguém com corpse paint e o Chimbinha? Intrinsecamente, nenhuma. Cada um faz o que é estabelecido como “certo” para o seu público. Ninguém se assume para não perder audiência. Um outro nome que dão para isso é profissionalismo, mas eu não vejo assim. John Lennon devolveu a condecoração do Império Britânico à rainha por causa do envolvimento inglês em Biafra! Não se vê mais isso. Bandas como o Metallica, que ainda gosto, são grandes porque não falam sobre política diretamente. Falam sim, nas entrelinhas, no metafórico, mas nunca se expressam como direita, centro ou esquerda. Não é o Brasil que está mau, é o mundo que está bobo, infantil e mau, muito mau, ainda mais quando há quem critique os militares por não terem matado todos os esquerdistas em 1964.  
2012 foi um álbum que esboça uma sonoridade bastante crua e direta, que remete ao som anos 80 da banda. Contudo, Imperiumtem uma sonoridade melhor lapidada, produção mais límpida e ao ouvi-lo encontram-se também elementos dos anos 90, sendo assim mais heterogêneo. Isto foi algo que ocorreu naturalmente durante o processo de composição ou foi uma necessidade que você teve de soar desta forma? 
Carlos: O 2012 é mais rico musicalmente, mais diversificado, e o Imperium é mais orgânico, mais cru, por assim dizer, apesar de soar refinado em vários aspectos. Ou seja, o que produzi em estúdio é exatamente o contrário do que pode parecer. Ambos os CDs têm muita melodia, em vocais e solos, mas sempre mantendo as características únicas da banda. Eu não ouço nada para criar os discos, pouco escuto música, não tenho influências. Ambos são trabalhos bem intuitivos. O processo de composição dos dois discos foi curto, dois meses ou menos, enquanto que os CDs anteriores ao 2012, todos, foram exaustivamente ensaiados. Entre um ano e meio a dois anos para cada um. Os dois últimos trabalhos são pura ejaculação e muita intuição, quase estupros cerebrais, vide as letras. Ambos são os trabalhos mais politizados da banda e por isso mesmo, para mim, alguns dos melhores. Um detalhe interessante que pouco cito é que eu não tocava guitarra há quatro anos quando gravei o 2012 e não tocava há dois quando dei início ao Imperium. Outro detalhe curioso é que não há distorção de guitarra, como se pensa, nesses discos. Usei um drive muito leve, no máximo no 2. As guitarras foram gravadas assim mesmo, na mão grande, apenas com compressão e saturação do volume. Não há sustain. Para mim, o melhor som de guitarra de toda a história da banda é a do 2012. Meu único porém em relação ao 2012 é a mixagem do baixo e do bumbo, problemas que recentemente corrigi.
O formato Mini-LP de Imperium ficou muito legal. De onde surgiu a ideia de fazê-lo assim? Por que não um LP em si?
Carlos: Os custos de prensar um LP são bem mais caros do que prensar um CD, o que inviabilizaria a produção. Imperiumfoi um disco de baixo orçamento, ainda mais para quem pôde contar com a verba do 2012. E olha que nem assim, tive sossego para gravar à vontade. Sempre é bastante correria e há momentos de muito cansaço, em que ou se para ou se morre… Na verdade, a capa de compacto para o CD foi inspirada na arte de uma banda instrumental baiana chamada Vendo 147. E por falar em arte, outro detalhe do 2012 e do Imperium são as capas, que me fizeram redescobrir o amor pela ilustração. Esse foi, para mim, o maior dos ganhos desses discos. Decidi seguir adiante com os desenhos que me dão muito prazer, e até mesmo, paz.
Você julgaria Imperium como o seu melhor trabalho com a Dorsal? Por quê?
Carlos: Há os que apreciam a Dorsal dos anos 80 e os que preferem os anos 90. Todos os discos são importantes, cada qual em sua fase, em seu momento. Eu adoro os dois últimos: 2012 e Imperium. Melhor explicando, em questões técnicas, e de composição, nos dois últimos pude trabalhar em searas diferentes e mais uma vez testar sons e teorias. 
A pergunta que para muitos não cala e não ficou suficientemente esclarecida é: por que a banda continua lançando discos, mas não faz shows? 
Carlos: Resposta fácil: amo criar, mas não amo a estrada. Não sou como o Lemmy que amaria morrer em um palco. Para mim, trocar de cidade todo dia é um pesadelo. Abri mão de muita grana por não ter feito a excursão do CD 2012, mas eu não estava e ainda não estou pronto para retornar. Cada um tem seus motivos para tocar, mas eu não gosto de me expor no palco e banda é como uma segunda família. Se eu não me sentir “em casa” não rola.
Mesmo com a decisão de não fazer shows, procuro manter a chama artística acesa, porque a cabeça não para. E por falar em cabeça, com as dores de cabeça que tive, e que o público também teve, com a campanha do documentário da Dorsal, fui obrigado a adiar um novo crowdfunding da banda: as histórias não contadas no livro Guerrilha agora em quadrinhos e em um maravilhoso livro de arte. A campanha terá início em breve para provável entrega até o final de 2015. Todos serão informados através da imprensa e das comunidades oficiais.
Outra coisa que muitos não entenderam bem foi: por que por vários anos falar da Dorsal para você foi aparentemente como um tormento?
Carlos: Se eu te contasse todas as histórias de bastidores, você entenderia melhor o por que do tormento (risos). Compor é ótimo, ter um veículo de expressão maravilhoso, mas quem fode tudo são os que tentam ganhar alguma vantagem com isso: músicos, empresários, promotores de shows e selos. Vantagens passageiras passam, enquanto a obra permanece, e o responsável por essa obra sou eu. Por isso, hoje em dia, não assino mais nada tão facilmente. Só dei mole ultimamente com a questão do documentário.
O que representou o relançamento luxuoso e com melhor áudio de Antes do fim em vinil? Sobre a arte da capa, eu apenas acho que a original teria ficado melhor, pois ela já é um clássico eterno (Risos).
Carlos: A questão do relançamento do Antes do fim em CD e LP foi moralmente vantajosa, mas não financeiramente. O verdadeiro ganho é que pude recuperar a propriedade das fitas de rolo, mas como não fui pago pela gravadora que lançou o CD, tive que recorrer à justiça. Um saco tudo isso…
Hoje em dia, os fãs da banda têm um problema sério para completar coleção, pois do álbum Dividir e conquistar àStraight anda complicado acha-los em CD, e em vinil está com um preço elevado. Você não pensa em relançá-los ou está esperando uma boa proposta para tal?
Carlos: A maior parte do catálogo é administrada por mim. Porém, alguns discos não. E por causa disso, de sempre a banda mais perder do que ganhar, é que não mais cedo direitos totais a gravadoras. Ainda mais porque não aceito, como antes, uma caixa de CDs em troca de meus trabalhos lançados. Recebi algumas propostas para relançar o Dividir e conquistar em LP, mas até agora não me decidi. Seria uma boa o relançamento, até porque faço questão de masterizar o áudio dos rolos originais.
A proposito, há um box Chinês composto de UltimatumAntes do fimDividir e conquistar, todos os três com faixas bônus. Seria bem legal ele ser mais amplamente disponibilizado no Brasil, não acha? 
Carlos: Claro que seria ótimo, mas nem sempre os custos de importação são favoráveis, mas a internet está aí para resolver isso. Meu material de desenho, os tablets são todos chineses, não há como escapar. A China é quem manda. Sobre a caixa tripla, acompanhei todos os estágios da arte até me certificar que ficaria linda e digna dos compradores. É um material de primeira. Quando o selo chinês me procurou pela primeira vez há dois anos eu não aceitei, mas demos início a uma demorada, porém segura, negociação, até fecharmos um acordo justo para ambos. E foi muito simbólico ter assinado com um chinês, logo eu, esquerdista. Chega a ser curioso… Até faço piada do dia em que o dono do selo me dirá: “Desculpe, mas o disco vendeu mal! Apenas um milhão de cópias em um país de um bilhão e meio de habitantes!”
Há alguma previsão para o tão aguardado documentário sobre a banda? Por que o excessivo atraso?
Carlos: Desde que teve início a confusão da não entrega do filme em dois anos, negociei com o diretor por causa das pessoas que me procuraram. Interferi como bombeiro para apagar o incêndio. Assinamos um contrato, eu e ele, em novembro de 2014, para eu coordenar a barca sem rumo. Não havia roteiro, as entrevistas não haviam sido decupadas, e só houve postergação. Fora o despreparo em construir uma narrativa. A versão existente do filme, exibida em um festival de cinema no interior do Estado do Rio, havia sido reprovada pelo codiretor. As coisas estavam nesse pé. As postagens sobre o filme estar “quase” pronto, antes de novembro, eram inverídicas. Nada se fez em 2014. Eu fui testemunha e tive que ficar calado, torcendo para que o cara caísse na real. Foi muito triste comprovar tudo isso. Eu mesmo vi, ninguém me contou.
Neste contrato, ficou estabelecida a data de fevereiro e março de 2015 para o lançamento do DVD. Descumprido. Ficou estabelecida uma multa contratual. Descumprida, entre outros vários itens também descumpridos. Após ser socorrido, o diretor esqueceu a palavra gratidão. E ainda me pediu, através de terceiros, para acompanhá-lo na promoção do filme… Fala sério! Uma nota de esclarecimento e repúdio foi publicada nas comunidades relacionadas à banda. Se eu nunca houvesse me envolvido em uma campanha, como a do CD 2012, eu até poderia ter uma opinião parcial sobre arrecadar verba de apoiadores, mas como eu cumpri a minha palavra, conheço bem a diferença entre falar demais e arregaçar as mangas. Assim como todos, só me importa ver o filme pronto, só isso. Quanto a contar com o meu apoio, depois do que presenciei, jamais. Fico triste, pois o diretor era um fã que tratei com respeito e amizade, mas ele me decepcionou. Gente assim não aprende que esse tipo de procedimento foi o que me afastou do meio musical. Esse cara só foi mais uma pedra no sapato do meu saco já cheio. Ele já é passado. 
Para finalizar, tens ideia do que poderia ser o futuro da Dorsal Atlântica? 
Carlos: O futuro se faz hoje. A Dorsal é eterna!