Resenha: Roça and Roll: 18ª edição (2016): Varginha-MG.

Por Vinnie Bressan e Écio Souza Diniz / Fotos: Paty Freitas (Elegia e Canto)

Dezoito anos. É oficial: o Roça ‘n’Roll já pode ser preso! E o PÓLVORA ZINE estava lá, para conferir e registrar esse momento emblemático da história do Festival, agora maior de idade.  Antes de qualquer outra coisa, é preciso situar: cruzando variáveis como estrutura, longevidade, frequência da realização e quantidade de atrações, o Roça and Roll é seguramente um dos festivais mais importantes e representativos da música pesada em todas as suas vertentes no Brasil. É sabido que resistir no cenário atual é uma demonstração de coragem e uma prova de força, a resistência de quem rema contra a maré. Entretanto, se por um lado este fato nos faz temer pela manutenção do evento nos altos padrões em que ele já se firmou, por outro ressalta um de seus aspectos mais legais: a familiaridade. Ir ao Roça é a certeza de conhecer ou reencontrar membros de uma grande família, é a oportunidade de encontrar pessoalmente alguém com quem o seu contato pode até ser frequente, mas é apenas virtual. Uma família a qual pertencem fãs, produtores, músicos, blogueiros, colecionadores, aficionados, fanzineiros, críticos, roadies, curiosos e amigos, todos com pensamentos afins regados a muito Metal.  
HOLOCAUSTO

Ao chegarmos à Fazenda Estrela a nossa maratona sonora começou com os Thrashers sul-mineiros do Deadliness, que ainda estão divulgando seu mais recente trabalho, Guerreiros do Metal (2014) e mandaram ver em pedradas como Hate e Sanguinários do Poder, além de um poderoso cover de Aces of spades (MOTÖRHEAD). Na sequência, vários headbangers se aglomeravam para assistir ao show do BARBARIA. Praticante de uma singular mistura de folk com peso em canções que emulam a temática e mitologia própria dos piratas, sob influência notória de lendas como RUNNING WILD, o quinteto guaçuano tocava com bastante empolgação e obtinha resposta da plateia em intensidade correspondente. O melhor desempenho ficou a cargo Under the black flag eCutthroat island.
 O competentíssimo CONCRETO, da capital mineira, fez um show irrepreensível cuja tônica foi o entrosamento e o peso, destilados em alta octanagem no Hard Rock sujo e com sutis tintas alternativas cantado em Português. A cada faixa, a banda parecia se divertir mais e mais, o que se refletia na plateia. Não há como não destacar MedoAlegria e dor e O chá. Não à toa, o merchandising da banda foi desaparecendo vertiginosamente ao longo do evento na banca onde estava sendo vendido, em um sinal de merecido reconhecimento.
CONCRETO

Se esta edição do Roça já não fosse histórica por marcar a maioridade do evento com tudo a que tem direito, ele decerto seria histórico da mesma forma pela apresentação do HOLOCAUSTO, pioneiros do War Metal, com a mesma formação que gravou, há 30 anos, a coletânea Warfare Noise, objeto de culto para toda uma geração de fãs de música pesada no Brasil e uma das pedras fundamentais da legendária Cogumelo Records. O foco da apresentação foi o clássico lançouCampo de extermínio (1987). Ao subirem ao palco, os veteranos destruíram tudo, com um poder de fogo tal qual o de adolescentes repletos de energia, desfilando clássicos um atrás do outro. A princípio, o público hipnotizado mal conseguia se mexer, ninguém queria perder nenhum detalhe da apresentação. Não demorou muito, entretanto, para que as rodas se abrissem ferozes e violentas. Arrebatador! Quem esteve lá naquela noite testemunhou algo único.
MYTHOLOGICAL COLD TOWERS

O MAVERICK foi a banda que segurou com as duas mãos a bomba de suceder o HOLOCAUSTO. Executando um Thrash consistente com altas doses de Groove, eles mostraram serviço divulgando o seu álbum de estreia, The Motor becomes my voice (2015). Com certeza os presentes que desconheciam o som da banda não tiveram qualquer razão pra não terem uma agradável e barulhenta boa surpresa em sons poderosos como Disoder. O sol já havia ido embora quando subiu ao palco o MYTHOLOGICAL COLD TOWERS, banda que construiu com discrição uma discografia versátil o suficiente para que, sem grandes esforços, fosse considerada uma lenda do Doom Metal nacional. Sua apresentação surpreendeu até mesmo o portador das maiores expectativas, dado o profissionalismo e a coesão perpetradas por Samej, Shammash, Nechron e Hamon ao longo do setlist. Monvmenta Antiqva, o full lenght lançado no ano passado via Nuktemeron Productions, posiciona a banda em um dos melhores momentos de sua já longa carreira. Uma viagem em universos distantes penetrou no local através das músicas Akator e The lost path to Ma-Noa. Bastante engajamento político, laivos de um humor debochado e, para os saudosistas, um clima de nostalgia chegou na execução dos clássicos que forjaram as marcas registradas da apresentação d’ O SATÂNICO DR. MAO E OS ESPIÕES SECRETOS – tendo em seu frontman o mentor intelectual por trás dos GAROTOS PODRES, instituição do Punk Rock tupiniquim. Com vocação para a polêmica – e como qualquer manifestação que envolva posicionamentos políticos na ordem do dia –, o show arregimentou a rejeição de uma minoria. Quem soube separar as coisas teve a oportunidade de se divertir com, entre outras, uma versão mesclada de Punk com Reggae de Guantanamera, do cubano José Martí e um Punk lascado e impagável cujo refrão dizia algo como “Vomitei no Temer”.
TORTURE SQUAD

E o que dizer do TORTURE SQUAD? É fato que a banda vem colhendo os frutos de um árduo e dedicado trabalho. O Death/Thrash que executam possui a dosagem exata entre peso e técnica. Além disso, a inventividade presente, mesmo após uma extensa discografia, talvez resida nas mudanças de formação que sempre chegam somando elementos. Desde o início do show, a impressão que dava era que Renê Simionato (guitarra) e Mayara Puertas (vocal) já eram integrantes de longa data, dado o entrosamento e a maneira à vontade com que se portavam em seus respectivos postos. Sobretudo Mayara, bastante simpática, desenvolta e ostentando um vocal poderosíssimo. A devastação sonora girou em torno tanto de grandes clássicos como Living for the kill ePandemonium, como também do novo EP Return of evil(2016).
Então, era chegada a hora dos headliners, o AMORPHIS, subirem ao palco. O excelente Under the Red Cloud, último álbum completo dos finlandeses, dominou boa parte do set, o que, se musicalmente era um deleite, deixou apreensivos os fãs da fase mais antiga da banda, que bradavam a plenos pulmões o nome de suas canções preferidas a cada intervalo entre músicas. A facilidade do AMORPHIS em forjar melodias certeiras, que grudam no ouvido e na mente de seus fãs é um de seus maiores atributos. Os vocais guturais alternados frequentemente com os limpos são uma característica desempenhada com muita naturalidade. As faixas mais celebradas pelo público foram Black Winter Day (a mais pedida, inclusive; executada no bis), House of Sleep e Silver Bride. Ainda entraram na jogada as irrepreensíveis Drowned maid e My kantele. Simplesmente, outro grande show. No palco Tira Couro, um dos principais, aportou o NOTURNALL. Músicos experientes e de técnica a toda prova, todos egressos de outros projetos/bandas como o SHAMAN. O Power/Prog da banda é bem estruturado, especialmente agora com Mike Orlando (Adrenaline Mob) nas seis cordas, que entrou na vaga deixada por Léo Mancini. Contudo, a tamanha técnica de todos os membros da banda em muitos momentos se traduziu num demasiado exibicionismo individual, tendo Mike e Aquiles Priester (bateria) como foco. Um dos momentos em que realmente tudo funcionou como uma unidade foi na já famosa Nocturnal human side. O cover para Nova Era (ANGRA) foi deveras desnecessário e mediano. O talento e profissionalismo dos músicos é inegável acima de qualquer suspeita, mas trabalhar mais numa unidade sonora é algo necessário.
O SATÂNICO DR. MAO


Já figura fixa no evento, o TUATHA DE DANANN deu o seu presente anual aos entusiastas do Folk, composto de melodias e influências irlandesas acerca da cultura celta. Nesta edição, aparentemente os integrantes estavam bastante felizes, o que rendeu momentos particularmente engraçados. Tanto despojamento e descontração, ao contrário do que se poderia imaginar, em nada comprometeram a execução do set, que teve várias faixas entoadas por uma enorme parcela do público, entre as quais Tan Pinga Ra Tan, The Dance of the Little Ones e Finganforn. As faixas do novo álbum Dawn of a new sun (2015) como We’re backThe crackSack of stories também fizeram os presentes dançarem. Em suma, agradável e divertido, como de costume.
Após essa atmosfera Folk, alguns se reuniam em volta da fogueira improvisada, outros buscavam abrigo sob a Tenda Combate, terceiros se largavam sobre a grama. Mas, a maratona ainda não estava no fim. Subiu ao palco o CRACKER BLUES, detonando um som situado entre o Classic e o Southern Rock, com letras em português e bastante domínio de palco. Por vezes, lembraram bastante o BACHMAN-TURNER OVERDRIVE! Foram um tanto prejudicados pelo cansaço geral e, independente dele, pelo horário em que tocaram. O tipo de som que praticam teria outra receptividade se executado ainda ao sol, fazendo uma trilha sonora perfeita pra tarde, animado, simples e direto. As letras constituem outro atrativo que merece menção, como ouvido em Trem do Inferno ao ParaguaiQue o Diabo lhe carregue e Bolero Maldito.
TUATHA DE DANANN


Pra fechar tudo com força e garra, subiu ao palco a carioca HATEFULMURDER, com um set curto e seminal. O Death Metal perpetrado pelos cariocas adquiriu alguns andamentos mais modernos e menos tradicionais com a entrada de Angelica Bastos. Foi interessante conferir o que mudaria com a nova formação. Agora, é aguardar o próximo trabalho de estúdio pra ver como a banda se sai com a nova formação em disco. Pra uma primeira impressão, deu liga. A química parece ter funcionado muito bem e isso confirmou com mais uma apresentação que as mulheres também reinaram soberanas nessa edição, botando os pulmões pra fora.
Parabéns ao Roça ‘n’Roll pela maioridade. Que Varginha continue a ser a nossa Área 51. O nossopersonal Roswell. E que a Fazenda Estrela continue a ser o Hangar 18 da nossa Varginha-Wright-Patterson. Com a diferença que os segredos que lá se escondem são segredos metálicos. E, pra poder descobri-los, é só chegar. De preferência, com muita disposição e um pescoço resistente! Você vai precisar.